föstudagur, mars 25, 2005
twormmy
em um outro planeta por aí, existia um porco-espinho, chamado twormmy.
esse porco-espinho morava sozinho, em uma pequena casa, localizada à beira do caminho para a estrada da ponte que levava até a pista da trilha que acabava em frente à caverna doouromarromviradoparafrenteeseguindoemdireçãoaonorte.
ele levava uma vida sossegada e auto-suficiente- não precisava trabalhar para conseguir alimentos como os outros animais, pois tinha uma pequena plantação, e além disso, twormmy não possuía sonhos que necessitassem de dinheiro para se realizar.
os outros animais passavam em frente à casa do pequeno twormmy quase que diariamente, e ele estava sempre em frente à porta, parado, sentado nas escadas, observando a cinza chuva dos ventos, que caía constantemente na rota três da terra gaia, levantando um leve aroma de grama molhada e fazendo sua tão amada plantação de amendoins japoneses crescer forte e saudável.
twormmy era um porco-espinho sonhador. sonhava com o dia em que sua plantação de amendoins estivesse forte e estável o suficiente para poder ser colhida com segurança, e esperava sempre que alguém lhe desse a atenção de que precisava. na verdade, esse era seu verdadeiro sonho. até então, ele sempre havia evitado fazer contato com os outros animais.
sempre que algum dos vários animais que buscavam uma vida fácil garimpando por minérios na caverna doouromarromviradoparafrenteeseguindoemdireçãoaonorte demonstrava alguma intenção de estabelecer contato com ele, twormmy entrava correndo em sua casa. lá dentro, acendia um cigarro e sentava no chão fumando, à tragadas lentas, com a cabeça encostada na porta. e ali ficava, por horas e horas, observando a vela estroboscópica que ficava em cima da mesa se queimar, derreter, e utilizando-a para acender mais e mais cigarros, até que aquele animal estivesse à quilômetros de distância, e ele pudesse, novamente, observar a cinza chuva dos ventos em paz.
"eis aí um sujeitinho estranho. seus pais devem ter morrido no ataque de um animal muito feroz que o fez ficar assim, traumatizado, coitado"- era o que pensavam os outros animais ao vivenciar a cena, e como sempre, logo tentavam explicar a si mesmos a razão do comportamento "diferente" do rapazinho.
até que um dia, twormmy, em um grande pico de carência, se cansou de fugir dos outros animais, e resolveu encará-los.
resolveu, finalmente, tentar estabelecer algum contato, mas não sabia como. definitivamente não sabia como.
decidiu que, ao menos por começo, simplesmente não mais fugiria do contato. ficaria lá, observando quem passava, e esperando pelo que aconteceria depois. e assim fez.
os outros animais ficaram abismados pela maneira peculiar que twormmy tinha de observá-los, silenciosamente- ele fazia-o com um olhar crítico, admirador, que conseguia expressar sua carência e esperança.
e mesmo em meio à suas características incomuns, twormmy conseguiu conquistar a consideração dos outros animais simplesmente pelo seu jeito diferente de ser.
mesmo tendo total consciência de não ser exatamente o que os outros achavam que ele era, mesmo tendo total consciência e até mesmo um certo sentimento de culpa por estar "usando" os outros para saciar sua própria carência, ele tentava sempre ser amigável com os outros animais.
em troca da companhia, mostrava-lhes sua plantação de amendoins japoneses (e, em casos extremos, até mesmo colhia alguns para presentear os visitantes), e servia sopa de ervilhas naturais enlatadas e milho amarelo aos cansados e esfomeados. modéstia à parte, twormmy costumava conseguir boas amizades, até um certo ponto.
e foi exatamente esse o problema com twormmy.
sempre que os outros animais se aproximavam dele, da maneira em que estavam acostumados, eram espetados, sangravam e morriam, por causa dos espinhos do garoto.
ele, não sabendo o que fazer, simplesmente enterrava seus corpos próximo à sua plantação, e buscava novas amizades sentado em frente à sua casa.
seus diferentes olhares, feições e "maneiras de ser" atraíam animais de diferente tamanho, personalidade, cor.
mas, inevitavelmente, todos tinham o mesmo fim.
cansado dessa rotina de "serial killer sem culpa", twormmy resolveu voltar ao passado- fugir.
e por mais um bom tempo, viveu na mesma solidão de antes, se escondendo dos outros, esperando que "a esperada" lhe aparecesse, como um milagre.
até que ela lhe apareceu.
ou pelo menos aquela que ele julgava ser "a esperada", apareceu.
ele avistou, farejou, e ficou até mesmo feliz, ao sentir a presença de alguém como ele.
quando ela se aproximou de sua casa, ele correu e parou no meio da estrada, estendeu os braços e gritou algo como "eu sou como você", olhando-a nos olhos.
apresentaram-se. seu nome era suzien- uma ouriça arrogante, mas ainda, interessada e interessante.
interessada pelo fato de que, naquelas terras, os porcos-espinho eram praticamente extintos.
já dentro da casa dele, ele a serviu com sua típica sopa de ervilhas com milho, e puseram-se a conversar.
falou sobre sua plantação de amendoins japoneses, do jeito que sempre cuidou delas com muito carinho desde a infância, e colheu um grande número deles para presenteá-la, mas ela pareceu não ligar.
twormmy comentou que nunca havia visto uma ouriça antes, e disse também que ela tinha lindos espinhos brilhantes.
ela o agradeceu, e comentou que estava sozinha e precisando de alguém para amar.
assim continuaram a conversar por horas e horas, comentando sobre seu passado, e notando o quão eram iguais.
até que, quando sentiram que era a hora certa, se abraçaram.
o sentimento foi intenso. para twormmy, o mundo pareceu girar mais devagar por alguns momentos.
porém, a dor foi também intensa, para ambos- e era uma dor que twormmy até então desconhecia.
"sabia! sabia que nunca mais poderia me envolver com alguém como eu!", gritou e esperneou suzien, triste e irritada.
"vou procurar alguém que possa viver comigo sem morrer, sem me machucar. eu vim parar aqui buscando um animal com buracos, mas tudo que encontrei foi você. sinto muito, não podemos viver juntos, nunca poderemos, eu te odeio, adeus, tchau. espero nunca mais vê-lo e espero também que morra o mais rápido possível."
suzien pegou seus sapatos de salto alto e foi andando, apressada e ainda irritada, pelo caminho de volta à metrópole.
twormmy foi deixado sozinho, sangrando, e com seus espinhos também ensanguentados.
"talvez, pior que a dor da solidão, fosse a dor da perda, ou quem sabe a dor dos espinhos da suzien.", pensou twormmy, desiludido.
dentro dele, agora, residia, além da carência, a falta de suzien.
dias de melancolia passaram, a cinza chuva dos ventos parecia entendê-lo, mas afundá-lo ainda mais em sua depressão.
houveram dias que twormmy passou fora de casa, deitado, estirado no chão, em uma clareira na floresta que existia atrás de sua casa, simplesmente observando a chuva.
dizem que twormmy apaixonou-se pela cinza chuva dos ventos, e que os animais de audição mais aguçada podiam até ouvi-lo conversando com ela, pedindo que ela caísse em cima dele eternamente, perguntando de que altura vinham suas lágrimas, e se ela, ao menos ela, o entendia sem ridicularizá-lo, o compreendia, o amava. fazia-o atentamente, esperando uma carinhosa resposta da silenciosa chuva- que só fazia chover.
os outros animais achavam que twormmy havia se apaixonado pela chuva por ter sido ela quem sempre deu força à sua plantação de amendoins. ou talvez porque ela foi a única que sempre "esteve ao lado" de twormmy, desde sua infância.
enfim, esses foram seus únicos dias fora de casa.
pelo que dizem os outros animais, após esses dias, twormmy passou aproximadamente 3 meses sem comer, simplesmente fumando seus cigarros e observando o fogo de sua vela estroboscópica.
e assim empurrou sua vida com a barriga, até que, após muito tempo preso dentro de casa, após ter abandonado sua vida a ponto de perder completamente sua amada plantação de amendoins japoneses e todos os amigos restantes, decidiu, de uma vez por todas, tentar resolver todos seus problemas.
cortá-los pelas raízes- e as raízes eram os espinhos.
se não tivesse espinhos, logo, teria buracos. e se tivesse buracos, provavelmente suzien iria o aceitar, e ainda poderia manter suas amizades vivas, já que nenhum outro animal morreria ao se aproximar.
e assim fez. sentado à sua mesa, arrancou, um a um, seus espinhos, sonhando com uma vida nova.
sonhando com o mundo novo que poderia sentir, sonhando com os novos dias que seriam vividos ao lado de suzien;
sonhando com os dias em que seria, finalmente, permitido viver.
e por esses sonhos, a dor parecia valer a pena.
sonhos que nunca se realizariam.
ao retirar seu último espinho, a vida, o sangue, a esperança e os sonhos de twormmy chegaram ao fim.
seu sangue fora derramado, seus sonhos foram desperdiçados, toda sua esperança foi em vão.
aquilo que nasceu para viver sozinho, sozinho morrerá.
com ou sem espinhos- inevitavelmente.
rafael at 9:02 e.h.